Estou doente e cansada de estar doente e cansada

The story of Alexandra

Viva,
O meu nome é Alexandra Manata, tenho 44 anos, resido em Ermesinde, casada e tenho um filho de 11 anos. Sou licenciada em Ciências Históricas e Pós-Graduação em Ciências Documentais e trabalho como bibliotecária numa instituição pública.

Em 1990, fui internada entre 6 a 16 de Fevereiro, no Serviço de Medicina Interna – Hospital de São João do Porto.
Segundo o processo clínico o internamento deveu-se a sialoadenite tendo sido diagnosticado Sarcoidose e Sindrome de Heerfordt, hoje designado por Neurossarcoidose (biopsia de glândula salivar com sialoadenite granulomatosa compatível com sarcoidose). (Esta informação encontra-se em meu poder, requerida por mim, ao Gabinete de Apoio RAI – Hospital de São João).

A Sarcoidose é uma doença autoimune na qual ocorre a inflamação de diferentes órgãos e tecidos do corpo humano ao mesmo tempo, como gânglios linfáticos, pulmões, fígado, olhos, pele, entre outros.
Em termos médicos, a sarcoidose é uma doença glanulomatosa, ou seja, uma forma de inflamação crônica que o organismo pode desenvolver em resposta à agressão de diversos agentes.
É uma doença rara de etiologia desconhecida.

O diagnóstico foi feito numa situação de urgência, uma vez, que sofri de paralisia facial bilateral, dores articulares e perda de visão do olho direito (segundo relatório de oftalmologia – uveíte bilateral).

Após ter tido alta, fui acompanhada em consultas de medicina interna e de oftalmologia, tendo sido medicada com corticoides (60 mg). O meu maior pesadelo foi o “desmame” da cortisona, é doloroso, mas durante 2 anos foi acompanhada pelos meus médicos assistentes. As mazelas passaram com o tempo, mas perdi cabelo, as unhas partiam com facilidade, fiz tratamento aos dentes e à pele.

Mas, antes de se chegar e este diagnóstico – Sarcoidose, houve alguns erros face aos exames realizados. O primeiro sintoma foi uma paralisia facial do lado direito, fui ao hospital de São João e o médico que me atendeu sem tirar as mãos dos bolsos, mandou a assistente passam uma credencial para eu fazer fisioterapia.
Fiz fisioterapia durante um dia e no seguinte já não tinha nada. Mas ao terceiro dia, acordei com uma paralisia facial no lado esquerdo e não via do olho direito.
Fui novamente ao Hospital de São João e só passadas 8 horas de urgência, os médicos diagnosticaram Sarcoidose e Neurossarcoidose. Claro, que à 24 anos atrás não fazia a mínima ideia do que se estava a falar.

A Sarcoidose, permaneceu inativa até 2008 e lentamente foi regressando de forma bastante complexa. Comecei por ter dores musculares e articulações, perda de memória e fadiga extrema.

Recorri ao hospital de São João, mas como já tinha tido alta, o meu ex-médico assistente achou que eu devia consultar um psiquiatra. Através do Grupo Trofa Saúde, foi a psiquiatria que após várias consultas, faz o seguinte diagnóstico: depressão crónica (decorrente da neurossarcoidose), prescrevendo a seguinte medicação:

– Cipralex – 10mg (1 comprimido por dia)
– Victan – 2mg (1 comprimidos por dia)
– Esomeprazol – 40 mg (1 comprimido por dia). Protetor do estômago
– Alprazolam Pazolam – 1mg (1 comprimido por dia)
– Triticum – 100mg (1 comprimido ao deitar)

O médico psiquiatra face ao diagnóstico pediu uma consulta de neurologia no mesmo hospital.
O médico neurologista depois de mandar fazer uma ressonância magnética, faz o seguinte diagnóstico:
“Há 2 anos (2010) começou a sentir menos força nos membros direitos; por vezes com menos força também no membro inferior esquerdo. Depressões recorrentes.”

Apresenta a mesma medicação que o médico psiquiatra, mas descreve ainda:
“Lentidão intelectual com dificuldades de raciocínio. Fadiga significativa que a obriga a demorar mais tempo nas tarefas habituais e não é recuperável pelo repouso. Em resumo: Neurossarcoidose com alterações no exame neurológico. O fator limitante principal nesta senhora, e que é habitual nas doenças imunológicas, é a fadiga.” Recomendou que se abstivesse de trabalhos violentos e de atividades psicológicas muito intensas.

O mais grave nesta doença, é quando o Sistema Nervoso Central é atinguido, que foi o meu caso, mais cedo ou mais tarde, começa haver algumas degenerações.

A 3 de Janeiro de 2014, recebi um diagnóstico neurológico difícil de tratamento, ou seja, sem cura. Foi-me detetada uma Narcolepsia com catalepsia, tenho que tomar para o resto da vida um medicamento (único no mercado nacional) – Modafinil genérico, o qual o Estado comparticipa muito pouco.
Para ajudar na festa, desde 2000 que sofro de asma agressiva (acidente de trabalho), mas tem vindo a piorar com os anos.

A minha revolta surge da ignorância dos outros perante o que se passa comigo. Sou uma doente rara e ponto final.
Não pedi para nascer com este tipo de doença, mas aconteceu.
O problema começa, quando aparentemente temos mais ou menos bom aspeto, que leva muita gente a desconfiar se estamos realmente doentes. Infelizmente, tenho sido alvo desta ignorância, sabendo eu, que a Sarcoidose é uma doença infeciosa e não contagiosa.

Onde trabalho, sempre tive direito a jornada contínua por ter um filho com idade inferior a 12 anos. Quando aconteceram estas complicações neurológicas e psiquiátricas, voltei a pedir jornada contínua, direito que ainda me assistia, uma vez que o meu filho ainda era menor. Mas fiquei indignada, quando a Pro-Diretora dos Recursos Humanos, recusou o meu pedido de horário de trabalho em regime de jornada contínua e obrigou-me a fazer horário de trabalho em regime flexível (8 horas diárias). Fiz vários ofícios, expressando a necessidade de executar horário em regime de jornada contínua, apresentando as declarações médicas, mas sempre me foi recusado.

Perante a instituição, assumi o compromisso de apresentar os dados clínicos – psiquiatria e neurologia – a uma equipa médica à escolha da Direção, deixando expresso, que a privacidade dos meus dados clínicos pessoais, é um princípio ético suportado pela legislação. Devendo essa informação cingir-se ao estritamente necessário, ficando excluídas outras pessoas, que não intervém no meu tratamento. O meu processo clínico é pessoal e deve revestir-se de absoluta confidencialidade, uma vez que, é restrito a mim e só a mim compete decidir com quem o devo partilhar.

Esta situação seguiu para tribunal a 11 Fevereiro de 2013, via Sindicato (STFPN). Mas, por burrice do advogado, em vez de entregar o processo no Tribunal do Trabalho, entregou-o no Tribunal Administrativo, logo perdi a ação.

Apenas um conselho, em muitos serviços ou instituições a melhor maneira de não corrermos riscos de apatia, é ocultar a doença. Contudo, não deixa de ser revoltante. Parece que somos culpados de sermos como somos. Jurei, nunca baixar a cabeça e lutar até às últimas consequências. É meu dever, enquanto pessoa com doença rara e em prol de todos os outros doentes.

No inicio de Outubro deste ano (2014) a minha saúde agravou-se bastante. Tudo começou com ataques de asma agressivos e idas frequente às urgências do hospital, manifestada por falta de ar e tosse seca. A par deste sintomas, começaram a surgir outras complicações a nível de saúde, que me incapacitaram de trabalhar. Começei a ter fadiga e falta de forças, não conseguia comer, conduzir, tomar banho, escrever ou simplesmente dar um click no rato do computador; perda de peso (emagreci 10 kg); tosse seca persistente; dor no peito acompanhada de refluxo, que me impedia da andar direita e para não sentir tanta pressão no peito andava curvada; respiração com chiado no peito; visão turva acompanhada com sensibilidade à luz e fraqueza do lado direito do rosto.

Estive de atestado mais de 30 dias e é aqui que começa a minha revolta e os problemas. Devido à minha incapacidade física o médico de família a pedido da última urgência do hospital passou-me baixa médica. Mas, o mais ridiculo nisto tudo é que uma doença rara é atestada como doença natural.
A sarcoidose é uma doença rara, sem marcador genético e sem cura. Como é que é possível uma doença rara ser considerada doença natural?
Depois vi o meu ordenado ser reduzido a metade, ficando ainda sujeita a uma junta médica, correndo o risco de ser despedida, porque em termos sócio-económicos não estava a ser “produtiva”. A situação agrava-se quando começaram a chegar avultadas faturas para pagar correspondentes a consultas e exames. Perante esta situação, só tive uma opção, voltar ao trabalho.

Estou a ser acompanha no Centro de Doenças Pulmonares em Valongo e no serviço de pneumologia do Hospital de São João, que face à minha atual condição física, estão a fazer estudos, mas quem paga sou EU.

Tenho contatado a linha rara e exposto estas situações, mas no fundo, ninguém sabe o que sofremos. Somos vitimas de chacota (porque aparentemente estamos bem, não temos nada torcido), a violencia psiquica é constante (medo de ficar sem trabalho e ordenado). Não temos direitos consagrados na Lei, apenas existe alguma legislação para crianças com patologias raras, mas estas crianças vão crescer e um dia vão perceber, que ser doente raro neste país, é penoso.
O que existe são deficiências e de preferência físicas, porque aquelas que não se vêm como a Sarcoidose (cuja a causa exata é desconhecida, mas sabe-se que é uma doença autoimune, ou seja, em que o próprio sistema imunológico ataca as células e tecidos saudáveis do corpo por engano), mas à luz da sociedade e da própria Lei, andamos a ludibriar toda a gente e não contribuimos em nada para esta dita sociedade materialista.

Dentro de cada doente raro, há um grito de revolta, mas ninguém escuta. Não somos os “coitadinhos da sociedade”, somos Raros e por favor, não insultem a nossa sanidade mental.

Às vezes choramos não porque somos fracos, mas porque passamos muito tempo a ser fortes é há momentos na vida em que temos a noção, que toda a esperança que depositamos nela foi desperdiçada. E, esses momentos são tão fortes que não conseguimos encontrar as palavras certas para as expressar.

É uma luta contra a ignorância e isto aprendi com os “batas brancas”, tudo que é desconhecido ou é psiquiátrico ou é ansiedade. Ansiedade? Ok! É uma luta contra a descriminação em relação a outras doenças como a diabetes e HIV. É uma luta pela igualdade, contra a humilhação, os maltratos, a solidão e que põe em causa o nosso potencial. A dor é real, mas existem pessoas “ditas normais”, que não nos entendem, expressam toda a sua cobiça e vaidade em disparates mesquinhos, vazios e tacanhos.
Somos uma espécie de estereópito rotulados como aleijadinhos, coitadinhos, doentinhos, parasitas da sociedade, psicóticos ou ansiosos. Abortam o nosso potencial inteletual, assombram os nossos sonhos.
No fundo, nós não somos diferentes de ninguém. Somos apenas Raros! A nossa força estão no nosso coração, na nossa inteligência. Somos o que somos e o que somos não for sufucientemente bom ou perfeito aos olhos dos outros. Lamento! Hoje tenho perfeita consciencia, que não posso fazer melhor do que já faço e o que faço é suficientemente bom para mim!

Alexandra Manata
Porto, 10 Dezembro de 2014